sexta-feira, 23 de junho de 2017

 

A radiografia da saúde básica

 

Clique aqui e veja o documento com 125 páginas

Segue link para quem quiser acompanhar o primeiro dos quatro volumes com o mapeamento que estamos fazendo nas Unidades Básicas de Saúde de Jundiaí. Nesta etapa inicial, o material analisa dez postos de saúde da Regional 3: Caxambu, Colônia, Ivoturucaia, Jundiaí Mirim, Rio Acima, Rui Barbosa, São Camilo, Tamoio, Tarumã e Vila Aparecida.

O documento, por exemplo, aponta a necessidade urgente de se implantar prontuários eletrônicos, projeto que a Plataforma de Gestão de Saúde planeja colocar em prática no próximo ano,. Ou de se expandir os serviços de PSF (Programa de Saúde da Família) a todas UBSs.

Durante quase três meses, conversamos com gerentes e usuários destas dez unidades para avaliar os problemas existentes. O mapeamento completo, com as 37 Unidades Básicas de Saúde, deverá estar pronto até o fim do ano.

Sem data marcada, nosso time aplicou uma entrevista com 14 perguntas a 297 pacientes destas UBSs, com questões sobre a qualidade do atendimento, desde recepção ao médico e odontológico, tempo de espera para consultas, higiene e outros.

O documento mostra que cada unidade encontrou soluções próprias, muitas em conjunto com a sua comunidade, para melhorar o atendimento e que podem ser usadas em toda a rede.

O objetivo deste mapeamento não é o de fazer uma caça às bruxas, mas sim agregar valor ao município. Pois melhorando o cuidado primário com a saúde vamos conseguir desafogar os hospitais, além de dar mais qualidade de vida das pessoas.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

 

Terra à vista

O país segue a deriva. Com a nau sem rumo, tenta o sisudo timoneiro, dotado de estoicismo duvidoso, dar-lhe curso a um norte seguro. O momento é difícil. Uma tormenta inesperada tornou o que era luz radiante em céu escuro com clarões assustadores. Com ondas altas as águas torvelinham cada vez mais e o ranger rude da embarcação envelhecida parece prestes a naufragar.  Os marinheiros, não afetos a este tipo de mar revolto, alvoroçados ameaçam saltar do barco. Abandonar ao Deus dará o comandante que sorria até a pouco. Sentem – e como sentem – a falta do grande capitão, que como se refém de Netuno fosse, submergiu às profundezas do oceano e deu-se o direito ao silêncio. Sem comando efetivo, gritos e ordens de afogadilho é o que mais se ouve no convés. Da proa à popa ninguém se entende. Como esta viagem terminará ora é uma preocupante incógnita.

Em meio à tempestade, eu, como o bom Popeye, velho marujo de muitas empreitadas, me resigno a fazer o papel que sempre me coube em momentos de borrascas: continuar a exercer minhas funções com afinco, honestidade e dedicação sem olhar para o lado. Concentrar-se na missão e não fugir aos princípios básicos do comportamento ponteado pela retidão, mesmo diante de enormes dificuldades, pois somente o empenho compromissado de quem almeja chegar a terra firme dará sentido a viagem.

Sinto-me um cartógrafo a redesenhar em ritmo febril mapas em busca de alternativas. Na pequena mesa, com o lápis, e compasso na mão, é difícil manter o equilíbrio à mercê do balançar tresloucado da embarcação. De súbito, cai-me ao colo um livro, despencado lá do alto da empenada prateleira. Mesmo com a pouca luminosidade que a chama do toco de vela a minha frente proporciona, consigo folhear e ler boa parte do conteúdo. A leitura vem a calhar, pois é atual, apesar de ter sido editada em 2007. Um livro publicado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) com uma coletânea de cem redações de universitários brasileiros selecionadas no ano de 2006 em meio a um total de 41.329 inscrições recebidas. O tema proposto pela UNESCO que deu título a publicação foi “‘Como vencer a pobreza e a desigualdade’. As escritas são ótimas e, para orgulho da terra, um jundiaiense consta na lista a pagina 214. Porém a redação que chamou a atenção foi a da carioca Clarice Zeitel Vianna Silva, acadêmica à época da Faculdade de Direito da UFRJ, pela contundência, malícia e posicionamento juvenil lúcido, num momento onde muito se questionava a abstração dos jovens brasileiros. Apesar de abusar de oximoros – eu adoro! – que é o combinar de palavras contraditórias para reforçar uma ideia, e ter sofrido diversas críticas de vários ‘iluminados’ detentores do domínio da Língua Portuguesa, considero o texto irrepreensível. Intitula-se  ‘ Pátria Madrasta Vil’ e diz:

“Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência… Exagero de escassez… Contraditórios? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para Brasil.

Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada – e friamente sistematizada – de contradições.
Há quem diga que ‘dos filhos deste solo és mãe gentil.’, mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de mãe, o Brasil está mais para madrasta vil.

A minha mãe não ‘tapa o sol com a peneira’. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica. E mesmo há 200 anos não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro PACote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra… Sem nenhuma contradição!

É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!

A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.

Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta – tão confortavelmente situadas na pirâmide social – terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)… Mas estão elas preparadas para isso?

Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?

Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos…

Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente… Ou como bicho? “

Que não se esqueça o despertar do povo que engatinha no que se diz democracia. Relembro os movimentos de junho de 2013 que foram uma das mais importantes manifestações populares da história brasileira. Além disso, apresentaram um caráter absolutamente inédito. Não tiveram uma causa, como nas Diretas-Já e no impeachment de Collor. Não foram convocados por instituições representativas tradicionais, como partidos, sindicatos e grêmios estudantis. E surpreenderam porque não existia no horizonte nada que indicasse uma movimentação social tão intensa.

Que nós, todos os brasileiros de boa índole, não nos descuidemos de regar a semente plantada em junho de 2013. Um dever cidadão para com o Brasil.

Terra à vista

quinta-feira, 20 de abril de 2017






A dor da perda

Ontem, cansado e indisposto pela lida diária e seus problemas, sentia-me abstraído do mundo ao meu redor. Uma sensação de isolamento, onde nada importava. Foi quando, no andar da tarde, ao ir embora do Hospital São Vicente, ouço cortando o ar, como há muito não ouvia,  um choro alto, doído, um lamento repleto de tristeza sem fim. Em sobressalto saio da abstração que me consumia e localizo a figura de uma jovem mulata de corpo franzino, encostada na parede de um dos corredores do hospital, abraçada a alguém que lhe consolava em vão. Um pranto inconsolável. Era muita dor. Paro por alguns segundos e olho emudecido aquele lamento. Faço uma rápida leitura de minha vida. Como médico e como pessoa comum. A memória embaralha. Tento relembrar quantas vezes presenciei cenas assim e a conclusão que me vem é uma só: a dor da perda de alguém é a pior dor. Nada se compara. Em pensar que não se verá mais um sorriso daquele rosto, não se ouvirá mais uma frase solta no ar, não se sentirá mais o calor de um afago, não se terá mais a felicidade de um abraço, tudo isso destroça a alma. Ao sair pela Rua Anchieta vejo mais pessoas desta família chorando na mesma intensidade. Todos em desespero igual. Cena triste. Que alento clamar nessas horas? Parece que Deus se esqueceu de você. É o que todos nós dizemos. Olho mais uma vez para trás, vontade de abraçá-los também, mas tomo meu rumo. A tarde acabou para mim.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Pra mim chega...


Sinceramente? Não ter como não ficar definitivamente desolado. Exemplos simples, um amontoado de absurdos que o homem vem praticando contra ele mesmo e que nos leva à descrença de qualquer futuro melhor do que a tragédia que vivenciamos hoje.

Estamos num ponto onde a razão foi totalmente deturpada. A emoção se tornou cega.

E pensar que a espécie humana, o ‘homo sapiens sapiens’, sendo o único ser racional entre todos os seres vivos ao longo da história da evolução, age de forma tão irracional, e que todas as outras espécies animais, ditas irracionais, se comportam com racionalidade, confirma-se um paradoxo difícil de engolir.

Um exemplo simples entre tantos que me vem cutucando a alma: nos esforçamos ao máximo para operar uma criança com doença cardíaca congênita, temos falta de vagas, falta de verba para atende-las, muitas morrem na fila e todo o sacrifício é pouco para dar vida a esta criança. E quando conseguimos, a felicidade torna-se a única companheira. Do outro lado do mundo, na Síria, vem um avião caríssimo, com um gás mortal caríssimo, e, sem qualquer preocupação maior de quem bolou o ataque, que não fosse o extermínio em massa, despeja esta arma mortífera sobre inocentes sadios, a maioria crianças, que queriam apenas viver sua vidas. Fica a pergunta: por quê? Por que muitos de nós nos esforçamos em ser solidários com o próximo e outros tantos tão cruéis? Que mundo é esse que vivemos? Por que tantas aberrações deste tipo? A irracionalidade do homem em nome do poder chegou ao seu limite. A dignidade em se ter segurança de viver racionalmente em harmonia acabou.

Quando o homem desrespeita a si próprio, na sua essência, não tem motivo mais para existir.

Pra mim chega.

Shut down...

sexta-feira, 31 de março de 2017






Arte do amigo Natanael Lomgo, o Nata

 

'Voa vida'


A dor incomoda. Qualquer tipo de dor. Sinto a mente jovem encarcerada dentro da velha armadura, que cada vez mais escancara a erosão do tempo. Meu corpo dói com o ranger das engrenagens. Não há como discordar: a vida é sábia, porém célere, e por vezes demoramos a nos dar conta que tudo é passageiro, menos o motorista e o cobrador.

O incomodo constatar que “la nave vá” nos faz buscar lenitivos por dias melhores. O cérebro pede asas para voar; já o corpo pede uma sombra para recostar o dorso exausto. Que triste antagonismo.
Guiado pelo instinto da sobrevivência passei a perseguir pegadas de passos cada vez mais rápidos a minha frente que alimentassem o fôlego de viver melhor. Assim já a bom tempo corro devagar – quase todos os dias - com a pressa de quem nunca teve pressa.
 

Mas a toda nova atitude sempre existe a sombra do imponderável, artimanhas do destino que te seduzem a desafiá-lo, e ele, sábio e inflexível, te induz ao erro. Acelerei sem poder acelerar. Duas quedas dominicais inesperadas, em sequência, fora do cardápio do manual da boa saúde – parece até mandinga encomendada – e já a três domingos me posto sentado vendo a banda passar.
A dor no ombro direito lesionado é lancinante. Cirurgia talvez. Como seria bom se toda vez que tomássemos uma atitude errada ou mal intencionada, o cérebro doesse como dói minha junta, alertando para o perigo do movimento proibido. A lesão na alavanca do braço direito, aquele que levanta a espada, tolhe momentaneamente o ato guerreiro. Mas nada na vida acontece por acaso. Existem momentos na boa guerra onde é prudente recuar, se aquietar e escutar o que diz o sussurro do vento. Olhar ao redor e buscar esperançoso, no horizonte da manhã que se descortina, o primeiro raio de sol.


Brincando com minhas duas netas, que ignoram o dodói do vovô, olho em oração para os ventres de minhas filhas. Lá estão guardados minha nova princesa e os dois guerreiros que virão ao mundo para dar seqüência às gerações que se sucedem. Em breve um quinteto angelical que peço à luz divina- todos os dias- que os proteja e abençoe. Terão suas vidas, terão seus arbítrios, mas por hora é nossa missão cantar as cantigas de ninar que os acalmam e os fazem adormecer em paz.


Repentinamente me vejo só na sala. Olho meu toca discos que a tempo não faz girar seu prato. Na prateleira encontro o LP de 1982 “Voa a vida” do Sergio Sá. Cheira a guardado e me faz viajar aos meus 30 anos. Entorpecido ouço os versos finais da canção “Represa” que diz: ‘E assim vou enfrentando toda loucura de ainda não me conhecer. Minhas revoltas, meus fracassos, minhas dúvidas. As ventanias, o sol quente, os temporais. Mas vale viver pela luta da correnteza, vale viver contra o maciço da represa... ’
 

Momento sem espaço para a dor. Vida leve, vida breve. (artigo publicado há exato 1 ano, que o Picôco adorou e ligou pra comentar num papo longo e gostoso).

quinta-feira, 30 de março de 2017


Foto: João Ballas

Qual o enredo, Picôco?


(Texto que publiquei em março de 2016 onde citava o amigo, hábito de gentileza comum em nossas escritas. A intuição matreira, inconscientemente, já se manifestava nos encontros com o Picôco. Uma de muitas lembranças de pessoa tão querida)

# Qual o enredo?
Não existe coisa pior do que quando nossas vidas se expõem em aflição. A doença é a pior delas. Agora a pior aflição é sofrer junto. É difícil conviver com a angústia estampada nos olhos de quem sofre. Causa-nos certo imobilismo difícil de descrever.

São peças de última hora, onde não se é ator do elenco, mas por necessidade da trama envolver gente querida, você pula de cabeça no roteiro com a finalidade de auxiliar para que ele transcorra da melhor forma, sem incidentes e aplausos no final.

Você, coadjuvante de última hora, se solidariza às últimas conseqüências vivendo o enredo como se autor, roteirista e diretor fosse deste drama pontilhado de realidade perversa. Seu bom astral tem que elevar o espírito da tropa mesmo sofrendo calado, torcendo para que tudo termine bem e logo. A vida tem que ser comédia senão perde a graça.

Antes tudo em nossas vidas fosse só mais uma peça de teatro com o impacto da emoção cronometrado com começo, meio e fim, onde você pode opinar se gostou ou não, ou mesmo levantar e ir embora se o espetáculo não te agrada. Já com a vida não é assim: é marota, leve, mas traiçoeira. O enredo de todos os enredos.

Ando apreensivo, em especial quando envolve amigos adoentados onde atuamos muito mais como amigos de fé do que como profissional. As palavras cismam em fugir da lógica. Pensamentos que gostaria de passar para o papel, meus dedos não obedecem. Em momentos assim desisto de mim. Busco lenitivo apaziguador, conforto à alma, breve trégua, relembrando o sincero “Vida” (A.Henfil) que o amigo Picôco tanto exalta:

"Por muito tempo pensei que a minha vida fosse se tornar uma vida de verdade. Mas sempre havia um obstáculo no caminho, algo a ser ultrapassado antes de começar a viver. Um trabalho não terminado, uma conta a ser paga. Aí sim, a vida de verdade começaria. Por fim, cheguei a conclusão de que esses obstáculos eram a minha vida de verdade.

Essa perspectiva tem me ajudado a ver que não existe um caminho para a felicidade.

A felicidade é o caminho. Assim, aproveite todos os momentos que você tem. E aproveite-os mais se você tem alguém especial para compartilhar, especial o suficiente para passar seu
tempo, e lembre-se que o tempo não espera ninguém.

Portanto, pare de esperar até que você termine a faculdade; até que você volte para a faculdade; até que você perca 5 quilos; até que você ganhe 5 quilos; até que você tenha tido filhos; até que seus filhos tenham saído de casa; até que você se case; até que você se divorcie; até sexta à noite; até segunda de manhã; até que você tenha comprado um carro ou uma casa nova; até que seu carro ou sua casa tenham sido pagos; até o próximo verão, outono, inverno; até que você esteja aposentado; até que a sua música toque; até que você tenha terminado seu drink; até que você esteja sóbrio de novo; até que você morra...

E decida que não há hora melhor para ser feliz do que agora mesmo.

Lembre-se: felicidade é uma viagem, não um destino. Viva a vida!“

Que a viagem honre seu traçado aos que tanto merecem viver e a fé em acreditar.

domingo, 26 de março de 2017





Por um instante...


Com Camões me acalmo: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta / Que outro valor mais alto se alevanta”? Ora, pois. Paro e não olho para o lado. Nada mais me chamará a atenção que este momento. Ficar órfão de uma alma que não é só sua? Valores que perdem seu valor ante a possibilidade do inusitado?

Não é só o bem querer que se está em jogo; ou o apego; ou a dependência; ou o carinho; ou o desejo; ou a alegria; ou algo que nem sei bem como explicar. É um sentimento miscigenado, de muitos matizes, espectro que nem o mais ilustre poeta descreveria, nem o mais talentoso pintor apontaria em tela.

Nada é relevante quando a ameaça ronda e o que transtorna é a possibilidade do vazio. Do vácuo etéreo que o momento cria e te amedronta.

O tempo é linear, sem medida, sem dimensão, mas fatia-se por conveniência. Juntos há 44 anos, nossa interdependência não tem qualquer critério que possa avaliá-lo com exatidão. Sentimento difícil de explicar.

A carta encoberta lançada sobre a mesa pode acabar com nosso jogo. Mas nosso “sei lá o quê”, que tanto nos une, banca a aposta. A frase: ‘-Caso não volte, prometa que será feliz!’ ecoa em minhas entranhas como mantra soturno, e a solidão de estar só onde quer que esteja termina quando o jovem especialista tranquiliza: “- A cirurgia transcorreu como esperado. Ela está bem”.

Nesta hora não sou nada. Sou só aquele que morre aos poucos  com a ausência do par. Seus olhos entreabertos ainda narcotizados tremulam para lá e para cá em busca dos meus que só podem lhe oferecer duas lágrimas.Homem que é homem não chora? Arrisco um sorriso tímido que, ao vê-la sorrir, aos poucos se alevanta desabrochando a alma prisioneira. Abro as janelas da angústia e deixo o sol entrar.

Em nome da Maria Eugenia e de toda minha família agradeço o talentoso ortopedista Dr. Eduardo Gomes Machado e sua equipe, o brilhante anestesista Dr. Douglas Humberto Lovatti, o Hospital UNIMED e toda sua robusta estrutura hospitalar (em especial ao seu corpo de funcionários de todos os setores, gente digna e prestativa) pelo atendimento oferecido na internação da cirurgia de minha mulher.


E por último uma frase pequenina que de seu valor mais alto se alevanta: “- Gê... Obrigado por existir.”